Este texto não é meu, e não lembro o nome da autora, mas achei interessante e vou transcrevê-lo aqui.
Cnema: Fonte, expressão e troca de sensibilidade
Melancholia - Lars Von Trier
Dinamarca, Suécia, Alemanha e França - 2011
Profunda reflexão sobre como vivemos e como olhamos o que nos rodeia.
É possível recomeçar, mas para isso é necessário terminar ...
Venho fugindo deste filme desde julho. "Sabia" dele, mas não fui até ele. Imagine! Lembrei! Fui sim! Mas sai logo no começo... não me era possível ficar! Eu acabara de saber que seria AVÓ! E o filme trata da "Vida não vida": vida que se esvai de nós, em nós, em torno de nós... E continuei fugindo dele... Mas ele me alcançou! E a ele me entreguei! Sai extasiada, mas também deprimida. E o filme é uma OBRA PRIMA! Se o diretor estava deprimido (como dizem) quando o fez, digamos que foi uma bela, tocante e inspiradora depressão elaborativa.
Entre imagens belamente surrealistas e excertos suaves da música de Wagner (a grande ópera "Tristão e Isolda", que inaugura os tempos modernos dentro da música), Von Triers escreve a história das dramáticas relações familiares, assim como das inúmeras e desesperadas tentativas do mundo interno para "acomodar-se" àquelas relações. Justine e Claire alternam-se, mostrando-nos diferentes modos de alcançar viver a vida em relação. Justine tenta ser "feliz": busca o amor, sorri nas e das situações, cria arte e expressa sentimentos. Mas a tentativa é embalde! As relações estão deterioradas demais, tanto fora como dentro dela mesma. Já não há "estrelas e astros" que a possam alcançar e "salvar"! Não há mais como resistir aos "ataques silenciosos" (s de Claire: "não faça assim, não seja assim, não conte para Michael!") e muito menos aos "estridentes" (do pai que beira ao ridículo e da mãe irredutível em suas falas). Justine está sucumbindo; seu olhar e seu corpo são expressões claras disso. Mas ela luta: vai para o jardim, invoca "astros", adormece com a pureza da infância (Leo, o sobrinho) e deixa-se estar na ága para "lavar-se" do que a consome e contamina. Não há jeito! Ela sucumbe! Mas, não sem antes pedir, sem conseguir, a presença do pai e da mãe; e não sem antes desmascarar a figura do "big boss" e, assim o fazendo, desmascarar as hipocrisias e chantagens de um universo que a quer feliz e realizadora, visto que... muito foi gasto com a festa de asamento, e muito lhe é pago para criar slogans. Ela "tem" que ser feliz! Mas, tudo o que a rodeia não é referência e ponto de confiança. Claire, a despeito de parecer e ser sensata, nega a evidência das relações esgarçadas, e quer "manter a cena" e os rituais familiares, juntamente co o marido John. Mas, para isso Claire "precisa" que a irmã "viva" a festa como todos querem. Justine não pode ser pensada como a desequilibrada da família, ela é a lúcida; o sistema relacional é que é desequilibrado. Ela enxergava o que acontecia à sua volta; não negava sua dor. Esgotada e impotente, senta como que "a sarjeta, à beira do abismo", nas cadeiras empilhadas da festa e "entrega os pontos": mãos desfalecidas ao longo do corpo, e sapatos pendurados nas pontas dos pés... Justine representa o ser humano que "pode ver" Antares, a estrela "dama de vermelho" da constelação de Escorpião, que é a gente "graúda" lá de cima, vista pela gente "miúda" aqui de baixo. Há que ser pequeno frente ao que é grande e nos ultrapassa! Justine pode ser pensada como a protagonista do que não é possível ser alcançado, que é a manutenção de uma cena que é vazia em si mesma. Assim, é o desencontro, o risível, o absurdo que perpassa as cenas, a despeito do requinte e da sofisticação do entorno. Debilitada e impotente, Justine deixa que tudo se escoe entre suas mãos e sua vida: família, casamento, trabalho. E fica desnuda e sem vida!
No entanto, como poderemos ver na continuidade do filme-vida, é desse desnudar-se e deprimir-se que, pouco a pouco, pode e vai emergir o essencial dela mesma. Justine começa a voltar à vida, a partir dos sentidos, da sensibilidade, numa conexão mais instintiva (que nunca deixou de ter) com tudo aquilo que é o que também somos: a natureza (astros e animais). Vive uma experiência forte como seu amigo-cavalo: ele não atravessa a ponte... ela espancava! Justine o açoita impiedosamente, não o compreende; mas termina por render-se à evidência de que a natureza "sabia" mais que ela. Então, rende-se à sua própria natureza e emerge do "poço fundo" em que se encontrava.
Enquanto isso, sua irmã Claire angustia-se frente àquilo que não compreende, que são os fenômenos da natureza, pois seu lado racional é o que está mais acionado. John apoia-se na ciência e nos bens materiais, acreditando-se resguardado do temor do que pode estar além do conhecimento. A morte ronda a pretensa segurança, embora permeada de sensatez e realidade.
Justine vai recuperando-se: lembra à irmã que o fiel funcionário da família tem sua própria família e não é um "bem material" da casa; afirma também saber de "coisas" e aponta-as, surpreendendo até a nós mesmos, espectadores das cenas. Claire pensa em morrer, não acreditando ser possível conviver co o que não compreende. De sua parte, John não sobrevive à evidência das falhas dos cálculos científicos. E o universo do conhecido vai ruindo frente ao Inexorável. Apenas que for "criança, louco e santo" estará salvo quando passar pelo Mal e pelo Choque com o Inevitável... E é assim que de forma protegida, Justine e Leo, "embalados" em sua própria natureza, vivem o momento da passagem, o momento da dança da morte, o momento em que há que acontecer o encontro-choque-interpenetração da Melancolia (a tristeza profunda da não luz) e do Sol (a luz). Claire, autêntica e genuinamente ama sua irmã, seu filho e seu marido. Mas a sensatez, necessária para equilíbrio e força, é também sua fraqueza. Somente a partir do momento em que ela tira seu "relógio" de pulso (controle das horas?) é que inicia a sua luta "natural". Amor, sensatez e instinto unem-se e sua força se expressa. Ela transforma-se em uma mulher "de garra", que se junta à mulher "quebra aço" (como Leo chamava a tia Justine) e ambas criam a proteção frente ao Inexorável.
Assim somos todos nós, muitas vezes e muitas vezes: como Justine desfalecemos e como Claire queremos manter o que não mais é! Ou seja, tudo é um desfalecer; e tudo pode levar ao encontro fatal de dois planetas, duas partes que parecem irreconciliáveis. No entanto, na cena inicial, eu "vi" uma pupila formar-se no lugar em que se deu o encontro e a interpenetração dos dois planetas; é como se eu "visse' um olho de perfil; um OLHO que agora pode vir a olhar diferente, desde a experiência da colisão e da queda. Pode-se-á ver uma colisão fatal e final? Sim .... Todavia, pode-se unir a ponta final com a inicial e, como se tudo fosse o início da criação, ver emergir a CONTINUIDADE... E de nós depende que essa continuidade se faça diferente. Para isso e necessário que sejamos Justine e Claire: intuição (natureza) e razão (ciência).
E que a beleza da cena final, ao som da música de Beethoven, nos toque e mostre: a luta para alcançar a simplicidade da "tenda"; tenda que protege as mulheres e a criança! E considerar que "proteger" não é evitar o choque da Vida; "proteger" é unir-se tanto em si mesmo com com os demais e com a natureza.
Esse diretor é um chato! Tem o talento de criar belas imagens, mas uma câmera trêmula e artificiosa, além de ser muito pretensioso, fazendo propaganda de si todo o tempo. Acho que deveria guardar sua depressão e sua visão narcisista do mundo para seu psicanalista. Odiei!
ResponderExcluirmelhor filme do ano!!!
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